terça-feira, 3 de junho de 2008

A II Grande Depressão?

A fotografia Migrant Mother, uma das fotos americanas mais famosas da década de 1930,
mostrando Florence Owens Thompson, mãe de sete crianças, de 32 anos de idade,
em Nipono, Califórnia, março de 1936,
em busca de um emprego ou de ajuda social para sustentar sua família.
Seu marido havia perdido seu emprego em 1931, e morrera no mesmo ano.
(ler mais sobre a Grande Depressão)

Fome e revoltas em todo o mundo: Uma catástrofe iminente

As revoltas da fome no Haiti e em vários países de África puseram em destaque uma perspectiva catastrófica. Este cenário é admitido por organismos internacionais do capitalismo. Por exemplo, a ONU adverte para o perigo de uma “crise global” devido ao custo dos alimentos. O seu Secretário-geral, Ban Ki Moon, declarou – em Viena de Áustria – que a “evolução dos mercados” levou a que cem milhões de pessoas estejam próximas de uma crise alimentar. Quer dizer, de perigo iminente de morrer de fome. A ONU anuncia que a subida dos preços desestabilizarão a economia de pelo menos 30 países. O custo dos alimentos de primeira necessidade disparou nos dois últimos anos. O trigo subiu 165%, o arroz 156%, a soja 125%, o milho 168%, o óleo de palma 145%. Para uma boa parte da humanidade isto é uma catástrofe. José Maria Sumpsi, subdirector da FAO (Agência da ONU para a alimentação e a agricultura), declarou que “os preços não voltarão ao nível antes. Manter-se-ão num patamar bastante alto, pelo menos 10 anos”. Consideremos a situação na África Central, onde, como é explicado pela Agência France Press: “O arroz, aumentou nos últimos meses mais de 50 % na Costa do Marfim, 50 % na República Centro-africana, 39 % nos Camarões, 45 % no Senegal, 42% na Mauritânia, e cerca de 300 % na Serra Leoa”. Um dirigente sindical da República Centro-africana declarou que “se o Governo não faz algo para que estes preços baixem, passaremos à acção. Aqui não recebemos regularmente os salários, e não nos podem impor mais sofrimentos”. Uma situação que só poderá agravar-se, se tivermos em conta que uma das exigências centrais do Fundo Monetário Internacional (FMI) a estes países sempre foi que não se subsidiassem os produtos de primeira necessidade, e que os consumidores paguem o preço real dos alimentos.

No nosso país, a fome não atinge as proporções destes países africanos, mas os aumentos de preço dos produtos básicos afectam gravemente milhões de pensionistas e cidadãos com baixos rendimentos, além de prejudicarem o conjunto da população trabalhadora.

O FMI anunciou que o impacto negativo do aumento dos preços dos alimentos pode, nalguns países, equivaler a uma quebra na sua Balança de Pagamentos de 1% do seu PIB.

Quais são as causas desta grave crise? Em primeiro lugar, a política de abandono de terras e a redução de cultivos, imposta pela União Europeia, na Europa, e pelos Tratados de Livre Comércio, que arruinaram os pequenos camponeses, na América Latina.

Convém recordar que só em Portugal a área cultivada diminuiu 5,1%, entre 1995 e 2003, e que o nosso país já importa 80% dos produtos alimentares que consome.

Um desastre programado

Trata-se de uma política mundial que está a levar à falta de reservas de alimentos. Nos finais de Abril, as cadeias de distribuição dos EUA – Costco e Wal-Mart – anunciaram que limitarão a venda de arroz branco a quatro sacos de nove quilos por pessoa, indicando que os próprios EUA poderiam ter problemas de abastecimento.

O Conselho Internacional dos Cereais (CIC), com sede em Londres, adverte ser provável que as reservas mundiais de grão se manterão num nível “muito baixo”, especialmente nos EUA.

Nos últimos anos, milhões e milhões de hectares destinados a produzir alimentos para consumo humano foram destinados a cultivos industriais para exportação controlados por multinacionais.

Mas, para além da redução das terras cultivadas – que já visa provocar uma subida dos preços – há a questão da especulação. A imprensa fala com frequência dos chamados biocombustíveis. Trata-se da produção de cereais e de óleos não para a alimentação humana, mas sim para produzir combustíveis para os motores (etanol, destilado dos cereais, como substituto da gasolina, ou biodiesel – obtido a partir de óleos vegetais). A administração Bush apoia, nos EUA, a produção de etanol (25% da sua colheita de milho foi dedicada a esse fim, no ano passado) e a União Europeia fixou o objectivo de, em 2020, 10% dos combustíveis serem biocombustíveis.

Isto tem animado as Bolsas e os mercados de matérias-primas a especular com base na subida dos preços. É evidente que a especulação com os alimentos se processa em paralelo com a especulação com o petróleo, que viu multiplicados por 10 os seus preços em dez anos e que, nos últimos 8 meses, subiu de 70 para 120 dólares por barril.

O principal grupo alimentar dos EUA, Cargill, acaba de anunciar que os seus lucros aumentaram 86%. Esta é a outra face da fome generalizada que está a ser organizada à escala internacional.

Os “peritos” ao serviço do capitalismo fazem debates sobre soluções técnicas para a carestia dos alimentos. E, como é natural, propõem as “soluções” que servem às grandes multinacionais dos alimentos (Monsanto, Nestlé, Pepsico, Unilever,…): mais transgénicos (quer dizer, sementes que constituem um monopólio destas multinacionais), novos adubos químicos, etc. Também propõem uma nova discussão no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), para “liberalizar” o comércio de alimentos. Ou seja, para que as multinacionais inundem o mercado com os seus produtos, expulsem os pequenos agricultores, assegurem um monopólio completo das sementes e da produção.

Não, não se trata de “soluções técnicas”. A única saída é acabar com o regime da propriedade privada dos meios de produção, hoje convertido no reino da especulação.

De facto, é este regime que arrasta a civilização para a mais negra barbárie – aquela em que a necessidade mais primária de cada homem, alimentar-se, já não consegue ser assegurada para centenas e centenas de milhões de seres humanos.

Os grandes títulos do Expresso, de 3 de Maio – “Subida de preços imparável” ou “O pão vai tornar-se um produto de luxo?” – não significam exactamente isso?

É precisamente esta situação de extrema gravidade que já provocou as revoltas da fome em trinta países, nestes últimos meses.

Aqueles que nos dizem que se trata de uma situação inevitável são, efectivamente, os que se subordinam ao sistema que criou as condições para esta catástrofe: o imperialismo e as suas instituições (do FMI, ao Banco Mundial e à OMC, passando pela União Europeia – que age para impor na Europa a política que em conjunto definem).

Não é então necessária a ruptura?

Joaquim Pagarete in O Militante Socialista (POUS)/Maio 2008

2 comentários:

Jorge Borges disse...

Cara Kaótica,

Bem vinda ao Alternativas!
A crise alimentar mundial que estamos a viver actualmente poderá constituir, a meu ver, um dos primeiros sinais de fraqueza do neoliberalismo vigente. A lamentável catástrofe a que nos conduziu esta situação de fome prova, claramente, que o mercado, funcionando livremente, não serve as sociedades, o cidadão, o Ser Humano.
Enquanto não se compreender que a livre acção do mercado - tal como é preconizada pelo neoliberalismo - só prejudica a coesão social, muitas pessoas, e custa-me muito dizê-lo, morrerão.
Devemos preconizar um modelo de globalização diferente, o modelo da globalização social. É urgente fazê-lo, antes que a própria humanidade pereça, auto-destruída.

Um grande, grande abraço

Anónimo disse...

Bem vinda amiga.

BJS