quinta-feira, 28 de agosto de 2008

POETA

Morreu dia 9 de Agosto, o poeta palestino Mahmud Darwish, reconhecido como um dos mais prestigiados intelectuais palestinos e como um talentoso criador que deu voz à experiência de exílio, de sofrimento e de luta do seu povo. Mahmoud Darwish, que vivia em Ramallah desde 1996, pertenceu ao Comité Político Executivo da OLP, responsabilidade que abandonou em discordância com o processo iniciado com os "acordos de Oslo". Manteve entretanto, até ao fim dos seus dias, firme na luta pelos direitos do seu povo e a unidade do movimento nacional palestino. Abaixo, "Bilhete de Identidade", escrito na primeira pessoa, o poema descreve o momento em que um árabe fornece os números do seu documento de identificação numa barreira israelita, na tentativa de retornar à sua terra.


Bilhete de Identidade

Escreve!
Sou árabe
e o meu bilhete de identidade é o cinquenta mil;

tenho oito filhos

e o nono chegará no final do Verão.

Vais zangar-te?


Escreve!

Sou árabe.

Trabalho na pedreira

com os meus companheiros de infortúnio.

Arranco das rochas o pão,

as roupas e os livros

para os meus oito filhos.

Não mendigo caridade à tua porta,

nem me humilho nas tuas antecâmaras.

Vais zangar-te?


Escreve!

Sou árabe.

Sou um homem sem título.

Espero, paciente, num país

em que tudo o que há existe em raiva.

As minhas raízes,

foram enterradas antes do início dos tempos

antes da abertura das eras,

antes dos pinheiros e das oliveiras,

antes que tivesse nascido a erva.


O meu pai descende do arado,

e não de senhores poderosos.

O meu avô foi lavrador,

sem honras nem títulos,

e ensinou-me o orgulho do sol

antes de me ensinar a ler.

A minha casa é uma cabana,

feita de ramos e de canas.

Estás feliz com o meu estatuto?

Tenho um nome, não tenho título.


Escreve!

Sou árabe.

Roubaste os pomares dos meus antepassados

e a terra que eu cultivava com os meus filhos;

não me deixaste nada,

apenas estas rochas;

O governo vai tirar-me as rochas,

como me disseram?


Escreve, então,

no cimo da primeira página:

a ninguém odeio, a ninguém roubo.

Mas, se tiver fome,

devorarei a carne do usurpador.

Tem cuidado!

Cuidado com a minha fome,

Cuidado com a minha ira!

3 comentários:

São disse...

Obrigada por este comovente testemunho.
Bem haja!

Doisdobrasil disse...

É, meu amigo. Belo resgate. Palavras são mais próximas da verdade humana, que a violência, embora infelizmente, ambas andem no mesmo trilho em sentido contrário. Venho retribuir a visita e deixar um abraço solidário.

Anónimo disse...

Conhecia mal a obra e avida deste poeta, que aqui me deu uma luz aproximada. Boa semana com tudo de bom.