quinta-feira, 17 de julho de 2008

IDEIAS PARA A ALTERNATIVA (PARTE IV)

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O meu tema desta noite é a batalha de ideias na construção de alternativas. Como podemos compreender este campo de batalha? É um terreno ainda dominado, obviamente, pelas forças que representam o que, na nossa perspectiva, designamos uma nova hegemonia mundial. Pois bem, para abordar a questão das alternativas, é preciso primeiro analisar os componentes desta nova hegemonia que, na nossa visão, representa algo de novo. Em que consiste esta novidade? Se Marx tinha razão, ao dizer que as ideias dominantes no mundo são sempre as ideias das classes dominantes, é muito claro que estas classes -- em si -- não mudaram nada nos últimos cem anos. Os donos do mundo continuam a ser os proprietários dos meios materiais de produção, à escala nacional e internacional.
No entanto, é igualmente claro que as formas da sua dominação ideológica se modificaram significativamente. Quero iniciar a minha intervenção com algumas observações a propósito, focando mais precisamente os tempos e os contornos da presente mutação. Se olharmos para a situação mundial após a derrota do fascismo em 1945, com o início imediato da Guerra Fria, que dividiu os antigos aliados da Segunda Guerra Mundial, o conflito entre os dois blocos -- o Ocidente liderado pelos EUA e o Leste liderado pela União Soviética -- este conflito configurava-se, objectivamente, como uma luta entre o capitalismo e o comunismo, e como tal foi definido pelo lado oriental, ou melhor, pelos soviéticos.
Quanto ao sector ocidental, os termos oficiais da luta eram completamente diferentes. No Ocidente, a Guerra-fria era apresentada como sendo uma batalha entre a democracia e o totalitarismo. Para descrever o bloco ocidental, não se utilizava o termo «capitalismo», considerado basicamente um termo do inimigo, uma arma contra o sistema, em vez de uma descrição do mesmo. Falava-se da “livre empresa” e – sobretudo – do «Mundo Livre», não do «Mundo Capitalista». Neste sentido, o fim da Guerra-fria produziu uma configuração ideológica inteiramente nova. Pela primeira vez na História, o capitalismo começou a proclamar-se como tal, com uma ideologia que anunciava a chegada de um ponto final do desenvolvimento social, com a construção de uma ordem baseada em mercados livres, para além da qual não se podem imaginar melhorias substanciais. Francis Fukuyama deu a mais ampla e ambiciosa expressão teórica desta visão do mundo no seu livro «O Fim da História». Mas, em outras expressões mais vagas e populares, também se difundiu a mesma mensagem: o capitalismo é o destino universal e permanente da humanidade. Não há nada fora deste destino final. Aqui reside o núcleo do neoliberalismo como doutrina económica, ainda maciçamente dominante a nível dos governos em todo o mundo. Esta jactância fanfarrona de um capitalismo desregulamentado, como o melhor possível de todos os mundos, é uma novidade do sistema hegemónico actual. Nem sequer no século dezanove, nos tempos vitorianos, se proclamavam tão clamorosamente as virtudes e necessidades do reino do capital. As raízes desta mudança histórica são claras: trata-se de um produto da vitória total do Ocidente na Guerra Fria, não simplesmente da derrota, mas ainda mais, do completo desaparecimento do seu adversário soviético, e da consequente euforia das classes possidentes, que agora já não necessitavam de continuar a recorrer a eufemismos ou a rodeios para disfarçar a natureza do seu domínio. Mas se a principal contradição do período da Guerra-fria tinha sido o conflito entre capitalismo e comunismo, este tinha estado sempre sobredeterminado por outra contradição global: a luta entre os movimentos de libertação nacional do Terceiro Mundo e as potências coloniais e imperialistas do Primeiro Mundo. Por vezes, as duas lutas fundiram-se ou entrecruzaram-se, como aqui em Cuba, ou na China e no Vietname. O resultado de uma longa história de combates anti-imperialistas foi a emergência em todo o mundo de estados nacionais formalmente emancipados da subjugação colonial e dotados de uma independência jurídica, gozando inclusive de assento nas Nações Unidas. O princípio da soberania nacional — muitas vezes violado na prática pelas grandes potências, mas nunca posto em causa, ou seja, sempre afirmado pelo direito internacional e solenemente inscrito na Carta das Nações Unidos — constituiu a grande conquista desta vaga de lutas no Terceiro Mundo. Mas nas suas lutas contra o imperialismo, os movimentos de libertação nacional viram-se beneficiados – objectivamente – pela existência e a força do campo soviético. Digo objectivamente porque nem sempre – ainda que o tenha feito em muitos casos – a União Soviética ajudou, subjectivamente, os movimentos em questão. No entanto, ainda quando lhe faltasse um apoio material ou directo por parte da União Soviética, a simples existência do campo comunista impedia o Ocidente, e sobretudo os Estados Unidos, de esmagar estas lutas com todos os meios ao seu dispor e sem temer resistências ou represálias. A correlação global de forças não permitia, depois da Segunda Guerra Mundial, o tipo de campanhas de extermínio livremente praticado (pela França em Marrocos ou pela Inglaterra no Iraque) depois da Primeira Guerra Mundial. Mesmo os Estados Unidos sempre cuidaram de se apresentar perante os países do Terceiro Mundo como uma nação anti-colonialista, como o produto da primeira revolução anti-colonialista do continente americano. A competição diplomática e política entre o Ocidente e o Leste no Terceiro Mundo, favorecia os movimentos de libertação nacional.
continua.....
Retirado do livro de Perry Anderson - Zona de Compromisso

2 comentários:

José Lopes disse...

No mundo moderno sempre existiram dois campos distintos, o do capital e do trabalho. As sociedades organizaram-se desde tempos muito recuados criando uma entidade a quem confiaram as tarefas de manter o equilíbrio desejável, administrasse a justiça e cuidasse do bem estar da comunidade. Essa é a génese dos governos.
Chegados ao presente o que se equaciona hoje é se os governos estão de facto ao serviço dos cidadãos em geral, ou se pelo contrário defendem os interesses apenas de alguns.
Entre Democracia e o capitalismo selvagem há uma diferença enorme, e ela está precisamente na acção da entidade é responsável por regular a Justiça e os interesses por vezes contraditórios do capital e do trabalho. De que lado se posicionam os governos?
Cumps

Jorge Borges disse...

De que lado, afinal? Ninguém pode ignorar o carácter retórico da pergunta, desafiando-nos a uma resposta, entre muitas possíveis...
Pelo meu lado, diria que os governos deixaram, nos tempos em que vivemos, de representar os povos que governam. A elevadíssima taxa de abstenção nos consecutivos actos eleitorais das democracias ocidentais provam-no. Assumindo o princípio estatístico de que a taxa de abstenção média ronda os 60 por cento do eleitorado inscrito, os representantes de um povo representam 40 por cento desse mesmo povo. Uma minoria.
Sob o ponto de vista político, só se pode governar com o apoio do capital, segundo a forma que o sistema assumiu nos nossos tempos. Parece assustador?

Alternativas procuram-se...

Um abraço