domingo, 11 de janeiro de 2009

A DESOBEDIÊNCIA CIVIL

Gandhi durante a famosa "Marcha do sal"


O melhor governo é o que governa menos” – aceito entusiasticamente esta divisa e gostaria de vê-la posta em prática de modo mais rápido e sistemático. Uma vez alcançada, ela finalmente equivale a esta outra, em que também acredito: “O melhor governo é o que absolutamente não
governa”, e quando os homens estiverem preparados para ele, será o tipo de governo que terão. Na melhor das hipóteses, o governo não é mais do que uma conveniência, embora a maior parte deles seja, normalmente, inconveniente – e, por vezes, todos os governos o são. As objecções levantadas contra a existência de um exército permanente – e elas são muitas e fortes e merecem prevalecer – podem afinal ser levantadas também contra a existência de um governo permanente. O governo em
si, que é apenas a maneira escolhida pelo povo para executar sua vontade, está igualmente sujeito ao abuso e à perversão antes que o povo possa agir por meio dele.

Afinal, a razão prática pela qual se permite que uma maioria governe,e continue a fazê-lo por um longo tempo, quando o poder finalmente se coloca nas mãos do povo, não é a de que esta maioria esteja provavelmente mais certa, nem a de que isto pareça mais justo para a minoria, mas sim a de que a maioria é fisicamente mais forte. Mas um governo no qual a maioria decida em todos os casos não se pode basear na justiça, nem mesmo na justiça tal qual os homens a entendem. Não poderá existir um governo em que a consciência, e não a maioria, decida virtualmente o que é certo e o que é errado? Um governo em que as maiorias decidam apenas aquelas questões às quais se apliquem as regras de conveniência? Deve o cidadão, sequer por um momento, ou minimamente, renunciar à sua consciência em favor do legislador? Então porque é que todo homem tem uma consciência? Penso que devemos ser homens, em primeiro lugar, e depois súbditos. Não é desejável cultivar pela lei o mesmo respeito que cultivamos pelo direito. A única obrigação que tenho o direito de assumir é a de fazer em qualquer altura aquilo que considero correcto. É com razão que se diz que uma corporação não tem consciência, mas uma corporação de homens conscientes é uma corporação com consciência. A lei jamais tornou os homens mais justos, e, por meio do seu respeito por ela, mesmo os mais bem-intencionados transformam-se diariamente em agentes da injustiça.
Um resultado comum e natural do indevido respeito pela lei é que se pode ver uma fila de soldados – coronel, capitão, cabo, soldados rasos, etc – marchando em direcção à guerra em ordem admirável através de montes e vales, contra as suas vontades, ah!, contra as suas consciências e o seu bom senso, o que torna essa marcha bastante difícil, na verdade, e produz uma palpitação no coração. Eles não têm duvida nenhuma de que estão envolvidos numa actividade condenável, pois todos têm inclinações
pacíficas. Então, o que são eles? Homens ou pequenos fortes paióis a serviço de algum homem inescrupuloso no poder?

A grande maioria dos homens serve o Estado desse modo, não como homens propriamente, mas como máquinas, com os seus corpos. São o exército permanente, as milícias, os carcereiros, os polícias, os membros das autoridades, etc. Na maioria dos casos não há um livre exercício seja do discernimento ou do senso moral, eles simplesmente se colocam ao nível da árvore, da terra e das pedras. E talvez se possa, fabricar homens de madeira que sirvam igualmente tal propósito. Tais homens não merecem respeito maior do que um espantalho ou um monte de lama. O valor que possuem é o mesmo dos cavalos e dos cães. No entanto, alguns deles são até considerados bons cidadãos. Outros – como a maioria dos legisladores, políticos, advogados, ministros e funcionários públicos – servem o Estado principalmente com o seu intelecto, e, como raramente fazem qualquer distinção moral, estão igualmente propensos a servir tanto o diabo, sem intenção de fazê-lo, quanto Deus. Uns poucos – como os heróis, os patriotas, os mártires, os reformadores no melhor sentido e os homens – servem o Estado também com a sua consciência, e assim necessariamente resistem a ele, na sua maioria, e são comumente tratados como inimigos. Um homem sábio só será útil como homem e não se sujeitará ao papel de “barro” para “tapar” um buraco que impeça o vento de entrar, mas deixará esta tarefa, ao menos, para as suas cinzas:
“Sou nobre demais para ser posse, ser um subalterno no comando, ou mesmo servo e instrumento útil, a qualquer Estado soberano deste mundo.”

(Excertos da obra de Henry David Thoreau)

1 comentário:

José Lopes disse...

Um texto bem escolhido e muito actual.
Cumps